Sete Por Sete (ou Aos Crepúsculos) - por Patricia Magalhães

Não fazia azul ou vermelho. Mas nada mais importava em meus olhos

nada mais que a visão do invisível nas flores.

E o que era, era.

Então sejamos:

serei aquele ser que é sem saber,

que vem e vai como borboletas amarelas --

e beberei as lágrimas que caem do que é céu negro azul

(como gente "preta-preta-pretinha").

Não fará azul ou vermelho.

Não, eu não sei amor de improviso.

Não sei palavras ao vento.

Me explica o que são as manadas, antes que eu morra?

E a wheel of nature?

Me dá um pouco do que preciso?

Há lacuna: vazio e desejo, o que preenche e deixa lacuna de novo.

E as notas escapam e entram no meu ouvido como formigas.

Me deixe! Não me pegue assim pelos pêlos do meu umbigo!

não me cheire as axilas

ou aprisione minha alma com fotografias.

"Oh, imagina só que loucura essa mistura"

de pêlos nos braços e cor que brilha com loção de mel de abelhas

oh, sim ... há a doçura do mel de abelhas, melado, melaço de cana

mas há o gosto amargo da loucura que não escapa escorrendo pelos dedos

há a loucura subindo pelas veias das pernas até a aorta,

me engolindo pelos mamilos,

sufocando como massagem de quem não sabe fazer massagem.

Salivando, salivando ...

Há ainda o que nem sei que há.

Há tanto que há até o que nem sei o nome.

Há tanto que vou criar só para tentar saber.

Vou criar para dizer algo sobre o indizível.

Vou criando, vou criando.

Vou criando como aranhas tecem teias.

Vou criando e pela criação mesma me crio a mim mesma

(sem fazer azul ou vermelho)

Dear "Bird of Paradise" (o Paraíso que me persegue como um Inferno ... )

canção de saudades do desconhecido

nostalgia do que nem se viveu.

Ora, mas o que há pra ser vivido não já passou?

(O que é já foi, e o que será já terá sido! Heim!?!?!)

Que se corte então o desejo com a adaga mais Sharp que existe

aquela que corta o pensamento e a respiração

e que faz sangrar pra dentro

Mas há dores que não sangram.

Há sangue que não coagula.

Sangra! Sangra como nascente de rio perene e menstruação

(perene é o que é eterno ou o que vive tanto que não se vê a morte?

E o princípio?)

No princípio era o Verbo, e o Verbo era Deus e Deus não era ninguém.

Mas o homem achou pouco que Deus fosse tanto e não fosse alguém,

que quis que ele fosse imagem sua, e criatura.

O que é divino não se aprisiona em categorias nem se cria.

O que é divino é.

E o divino está em tudo, e tudo é -- porque é divino.

Sendo assim, não fazia azul ou vermelho:

fazia luz!

E eu matei a serpente fechando os olhos

segurei a pele fria com as mãos firmes

mas ela escorregava, escorregava, escorregava.

Que gosto teria a cobra siamesa?

Quantos pensamentos teria Anfisbena?

Me havia água na boca,

eu queria o teste, the taste

o gosto nos lábios

o sangue no rosto.

Cerrei mandíbula como quem range os dentes

e puxei a pele como quem fode em slow motion.

O sangue tinha cor de borboleta.

Aquela amarela voando entre as vozes em Souillac

e multidão borboleta no vidro do carro na manhã de domingo.

O sangue tinha cor de borboletas amarelas:

o gosto era transformação.

No castelo há anfisbenas nos porões

Geb e Nut em cada ponta

e em toda torre há fogos de artifício

("num ninho de mafagafos há sete mafagafinhos;

quem os desmafagafizar" encontra Hetep).

Andei pelas cruas nuas ruas escuras noites de Havana:

Um preto no Malecon me disse 3 segredos:

"Brahma, Vishnu, Shiva".

"Ei, a quem não devo contar?".

"A você!" - diz e cai no mar.

De lá caminhei à Calle Amargura e o louco disse:

"Osiris, Isis, Horus".

"E o que quer dizer?".

"Procura!" - grita e me tortura.

A enfermeira sussurra enquanto me costura:

"Cabeça, tronco e membros".

"E aonde me levam?".

"Caminha!"

Eu sigo, siamesa que rasteja

cobra que pensa

serpente canibal.

Minha alma move acima e abaixo

macho e fêmea, terra e céu.

Há sexo no céu de cores tantas

tântricas

tontas

uma serpente que engole o rabo ...

E minha alma move em 7 por 7

meus olhos olham pro sétimo andar do prédio da esquina

mas eu não sei contar estrelas

eu não quero verrugas nos dedos

eu não quero saber do universo -

temo como desejo a verdade toda no útero

abrigo e mar

piscina de água quente

demente, caliente, serpente de infinito e orixá

(quisera saber da fogueira de Airá --

que me indicasse Hetep

que me desse womb

que me fosse end).

"My spirit is growing in 7 by 7".

Meus olhos são amplitude.

Minha visão é vida, viva, Frida

ah, vida sofrida.

So, Frida... tenho calos no coração e nos dedos

e bolhas nos pés

(a caminhada é longa

e "havia uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho havia uma pedra" --

eu a tirei com a ponta da língua

assim, músculo de discórdia e salvação).

Me deixe deitar meus cansaços nos seus ombros

(nem tenho relógio pra medir meu cansaço)

Vou te cantar canção de ninar em 7 por 4

e te deixo dormir 7 horas.

Sua alma há de crescer em 7 por 7

(my fears will go in 7 by 7).

O negro da parede de Cuba tá na parede do banheiro em Paris

eu lhe pergunto a pior pergunta sentada no vaso;

"vive-se o que há de ser, minha pequena. E  o que há de ser, já foi!"

Sigo.

Coreografo sete passos ao paraíso

e deslizo como lesma em parede de limo

escorregadia como palavras ao vento

sôfrega como baleia que morre na praia.

Dois pesos, uma medida

e tudo pesa como algodão molhado.

Tudo mede sete pés

e com sete pés eu ando quieta

(acorde de canto gregoriano não me acalma).

Eu queria o calor da manhã primeira

a glória do sétimo dia

o dom de criar e transcender.

Me dá um só número transcendental e te cantarei uma equação inexata

uma canção incorreta

uma paixão, idiota!

Eu tento meio dos sete passos

(a perfeição não me foi dada no princípio que era Verbo).

O restante é tentativa e erro

mas o caminho é trilha.

"Quem me dera ao menos uma vez"

gritar pra sul e norte como o chocalho da serpente: fica ou sai do paraíso?

Quem me dera às seis da tarde rezar uma Ave Maria e ser beata

encontrar Jesus na cruz e enxugar sangue, suor e lágrimas.

O trem é lento.

A vida passa.

O passado fica.

A lembrança volta.

A lembrança é torta.

A lembrança é morta?

A Inés é morta, certa como sete são os pecados capitais:

tenho fome de mão na pele

inveja de tanta coisa

raiva e desespero, luxúria e avareza

preguiça de destrinchar doenças em palavras

e me mata o orgulho das vitórias e desgraças

(não sou nada além de alguém na trilha

... e o trem passa).

O trem passa aos crepúsculos.

Há tempos de ascender e de se pôr

auroras, ocasos

acasos.

Salve hora de androginia, estado primordial, retrato da onipotência.

Não será azul ou vermelho:

seremos luz.

TribesTribes