Review of the Conceicao Evaristo's Brazilian novel "Poncia Vicencio" by Thatiana Santos

BOOK REVIEW (Portuguese)

Ponciá Vicêncio

Evaristo, Conceição

Publicado em 2003, 132p.

 

Por: Thatiana Santos

O romance afro-brasileiro relata a história da infância e vida adulta de Ponciá Vicêncio, menina pobre que nasceu e cresceu em uma pequena cidade chamada Vicêncio (nome do antigo dono de terra) com seus pais e o irmão Luandi Vicêncio.

Descendente de escravos africanos, a história de Ponciá Vicêncio é um panorama entre as lembranças de sua infância (trabalho nas terras dos donos de engenho; o canto como expressão de manifesto durante as horas de trabalho; o trabalho com artesanato que realizava junto com sua mãe Maria Vicêncio; a personalidade e a presença forte do espírito do avô paternal Vicêncio que a acompanhou até a fase adulta), um presente estagnado e uma falta de perspectiva em relação ao futuro.

O relato de uma infância sofrida é um paralelo - real e imaginário - entre as experiências de vida vividas pela protagonista e a autora Conceição Evaristo. As buscas pela identidade negra e autenticidade como mulher, a luta por uma vida melhor. Evaristo, após trabalhar muitos anos como doméstica na cidade onde nasceu, Belo Horizonte, conseguiu terminar seus estudos e mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se formou em magistério e começou a lecionar. A personagem Ponciá, após a morte do pai, deixou a pequena vila de Vicêncio e partiu para cidade em busca de trabalho para poder ajudar a mãe e o irmão, tomada pela esperança de um "mundo" melhor, já que sabia ler e escrever.

O tempo presente da vida de Ponciá é baseado nas conseqüências do passado, o qual a protagonista recorda cada detalhe com bastante intensidade como, por exemplo, a memória da fase final de vida do avô, que tentou suicídio em virtude da opressão, dos maus tratos e da humilhação sofridas pelos escravos. A estreita relação entre Ponciá e o avô, através até mesmo de gestuais semelhantes, leva o leitor a ver a personagem como reencarnação do espírito de seu antepassado.

Filha de Oxumaré (religião afro-brasileira: candomblé), orixá que representa o arco-íris e que também simboliza o transporte de água entre o céu e a terra, Ponciá Vicêncio vive a angústia de uma vida difícil, cercada pela pobreza, pela dolorosa recordação de sete abortos naturais e por um casamento infeliz, cercado de falta de compatibilidade e de violência doméstica.

Devido a todos os seus problemas, Ponciá começou a viver em um mundo imaginário onde o presente já não tinha mais significado. O marido passou a ser apenas uma figura sem importância a quem, ela como mulher, cozinhava, servia, cuidava, mas não tinha nenhum desejo sexual e muito menos amor. A busca por respostas infinitas, de uma forma poética, parece ser constante na mente da personagem. Por que os negros tinham que passar por tanta humilhação? A desigualdade social, racial e econômica seriam permanentes? Haverá esperança de mudança? Vale a pena viver para ver?

Ponciá Vicêncio é a triste história de uma mulher negra que foi além, em busca da própria identidade e da tentativa de descobrir se pertencia ou não àquele mundo onde a desigualdade e o preconceito foram, são e serão fatores que nunca desaparecerão. Dentro desse mundo interno angustiante e de um mundo social opressor, Ponciá ainda descobre que a terra, o rio e a história de vida de seus ancestrais são a base de toda sua vida.

"Um dia o coronelzinho, que já sabia ler, ficou curioso para ver se o negro aprendia os

sinais, as letras de branco e começou a ensinar o pai de Ponciá. O menino respondeu logo ao ensinamento do distraído mestre. Em pouco tempo, reconhecia todas as letras. Quando o sinhô-moço se certificou que o negro aprendia, parou com a brincadeira. Negro aprendia sim! Mas o que o negro ia fazer com o saber do branco? O pai de Ponciá Vicêncio, em material de livros e letras, nunca foi além daquele saber."

Evaristo, Conceição, Ponciá Vicêncio